segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Os Nogueira #2






– Tiago Nogueira. O prémio para a melhor reportagem do ano vai para... Tiago Nogueira. Quer subir ao palco?
– Todos os que votaram em mim merecem este prémio. Já estava à espera de ganhar, pelo que preparei um breve discurso. Gostaria de agradecer em primeiro lugar à minha equipa, que trabalhou intensamente ao longo deste último ano no meu projeto, em especial ao Rogério Figueiredo e à Susana Marialva, grandes profissionais e bons amigos. Sem eles eu não estaria aqui hoje. E por isso o prémio é também para eles. Uma nota muito especial para a minha mulher, a Alice, e para os nossos filhos, o Martim e a Margarida. Com eles partilho a minha vida, as minhas alegrias…
Tiago acordou pela primeira vez nesse dia pouco passava das sete com o barulho ensurdecedor da luz que vinha da casa-de-banho onde Alice tratava da higiene matinal.
Tentou voltar a adormecer. Não conseguiu. Fechou os olhos e franziu a testa à espera que o grande António Carvalho Rodrigues, jornalista com décadas de experiência, primeiro na imprensa e na rádio, nos últimos tempos na televisão e na internet, aparecesse novamente à sua frente com o prémio.
Tiago não acreditava que não ia assistir ao seu discurso na íntegra. Esta era a oportunidade dele. Quem sabe se voltaria a surgir. E ele estava a desperdiçá-la. O que ele não queria era voltar à sala no intervalo, com o seu discurso já apagado pelo tempo. Tudo dura, mas muito pouco permanece.
– Tirando senha, a espera será de duas horas. Não tirando senha, não será atendido. Suba ao sétimo piso para comprar o impresso e ao nono para carimbar o impresso. Depois volte ao segundo para entregar o impresso. Felizmente agora é tudo no mesmo edifício.
Tiago entrou no elevador e começou a contar os números dos andares depois de pôr a sua boca no silêncio.
– Três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, partiu o teto do prédio, nuvens…
Tiago não chegou a chegar ao céu, chegando Alice antes disso para, salvando-o e acordando-o pela segunda vez nesse dia, lhe oferecer um beijinho bem chegado ao pescoço. Tiago quis contar-lhe o drama que contado Alice não acreditaria. Alice conhece elevadores que descem. Como podem os elevadores subir? Descer faz sentido. É a gravidade. A gravidade do momento era outra e tinha gravado Margarida.
Todos os sonhos que sonhara para a sua vida refletiam-se nos lindos olhos de Alice. Alice era meiga, inteligente, ativa. E gostava de Tiago.
Tiago levantou-se, acordou o Martim, deu o pequeno almoço à Margarida, mudou a fralda do Martim, vestiu a Margarida com a saia castanha, acompanhou o Martim enquanto bebia o leite do biberon semi-rápido, gritou com a Margarida para ela ir lavar os dentes, enfiou o Martim na cama enquanto tomava banho, bebeu um copo de água, gritou com a Margarida para ela vestir um casaco, vestiu o casaco ao Martim, pediu à Margarida para tirar uma bolacha da caixa, que acabaria por ficar na cómoda da entrada enquanto ajeitava o cabelo do Martim. E saíram, de escadas nesse dia.
Tomilho, orégãos, salsa, pasta de dentes, bicicleta de montanha. Era essa a lista de compras afixada com um íman na porta do frigorífico.
Tiago chegou à escola da Margarida quando se lembrou que se tinha esquecido de informar Alice da necessidade de comprar os livros de exercícios de matemática que o professor tinha recomendado na véspera. Esqueceu-se contudo de se lembrar de ir falar com a professora de inglês que dois dias antes lhe tinha enviado uma mensagem intrigante com um vocabulário muito gramático.
Tentou estacionar à porta do jardim de infância do Martim, mas os lugares estavam como sempre ocupados. Para o Tiago, o Martim é o miúdo mais simpático de toda a escola. Sempre que vê o pai, o Martim corre para os seus braços. À noite, o pai corre para o seu quarto e conta-lhe histórias. Divertidas. E sorriem. Enquanto Alice e Margarida veem televisão.
Tiago olha para o relógio e assusta-se. Mas pensa no sonho e sorri quando revê a cara de espanto da Susana ao ouvir o seu discurso. Decide enviar uma mensagem a Alice. Alice não responde. Liga-lhe. Alice não atende.
Toca no rádio uma música estrangeira. São nove e meia. Tiago Nogueira tem de estar na redação às dez e nada se vai passar até lá. Garantido.

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